Danger Hot! - Morgan 3 Wheeler

Espaço, consumos, capacidade da bagageira, conforto a bordo, gadgets. Tudo isto são critérios a ter em conta na compra de um carro, que ...

Espaço, consumos, capacidade da bagageira, conforto a bordo, gadgets. Tudo isto são critérios a ter em conta na compra de um carro, que não merecem qualquer contestação. Ou será que merecem? O panorama automóvel do século XXI pode ser resumido, acima de tudo, por tendências. Eficiência energética, tecnologia em excesso e um foco cada vez menor no condutor, emocionalmente falando, são realidades comuns a quase todos os fabricantes de automóveis actuais. No entanto, a Morgan tem uma opinião sobre isso, e a resposta a este marasmo é uma autêntica dissertação sobre o conceito de condução pura. Sejam bem-vindos ao Morgan 3 Wheeler.
É uma manhã de Quarta-feira absolutamente normal em Lisboa. Trânsito e buzinadelas um pouco por todo o lado, mais ainda para quem atravessou a 25 de Abril, como foi o nosso caso, mas isso está prestes a mudar, pelo menos para nós. Após uma “volta de reconhecimento” pelas estradas do pulmão da cidade, Monsanto, para preparar a sessão que nos ocuparia as horas seguintes, dirigimo-nos para o centro da cidade. Chegados ao recém-inaugurado stand da Morgan, damos imediatamente de caras com o “tripé”, e ficamos nervosos. Primeiramente, porque esta experiência constitui o primeiro ensaio para a Photorevvin', mas também porque não temos qualquer experiência anterior no que toca à condução de um carro de três rodas. Será imprevisível a curvar, será estável em aceleração? Não ajuda à nossa apreensão o facto de o céu se recusar a mostrar outra cor para além do cinzento. Mas está na hora de descobrirmos o que vale o pequeno inglês. Primeira tarefa, não particularmente árdua, mas que necessita de habituação: entrar no apertado habitáculo.
O quick-release do volante facilita ligeiramente a tarefa ao condutor no que toca a entrar e sair do 3 Wheeler, mas não se esperem milagres, uma vez que vai sempre haver algum contorcionismo envolvido. Aplica-se exactamente o mesmo ao “pendura”, com uma única diferença- sentimo-nos surpreendentemente confortáveis aqui! O espaço para as pernas é muito generoso, e uma vez que o banco é a simbiose perfeita entre envolvência e conforto, ficamos muito bem encaixados, a ponto de não ser propriamente fácil colocar o cinto de segurança. Há que acrescentar a isto a experiência sensorial que é estar sentado neste “sofá”. A cor, o aspecto e o cheiro que a pele emana começam a deixar-nos rendidos a este carro, quando ainda nem saímos do stand. E, para o fazer, há que ligar o imponente e muito cromado V2 que está lá à frente. É agora que as coisas vão ficar interessantes.
O simples processo de “dar à chave” neste carro não chega para acordar o S&S de dois litros, 82 cavalos e 140Nm, uma vez que é preciso também carregar no botão de “Start” que se encontra a meio do tablier, escondido por uma tampa que nos remete para o mundo da aeronáutica, um dos muitos pormenores que nos deixam na dúvida se não estamos a bordo de um Spitfire que encolheu dentro de uma máquina de lavar industrial, e que no processo ganhou três rodas e um motor V-Twin. E é precisamente o motor que vai ganhar destaque neste momento. Dedo encostado ao botão, alguma hesitação a pegar, mas quando o faz... Podemos casar-nos com um carro? É que o 3 Wheeler não pára de nos dar razões para tal. Que som fantástico! Típico de um motor de mota, com algumas vibrações que nem chegam a tornar-se desconfortáveis, mas com uma sonoridade que parece querer dizer-nos algo como “Vamos embora. Agora que me acordaste, é bom que faças valer o meu tempo”.  A fragrância a gasolina queimada por um motor frio só nos entusiasma ainda mais. Vamos arrancar!
A condução. É, talvez, a parte mais desafiante de descrever, porém, aquela que mais merece a nossa atenção. É difícil arranjar palavras que resumam o que é conduzir um 3 Wheeler, mas fazê-lo é um processo de aprendizagem constante, desde que ligamos o motor de arquitectura exótica até chegar ao solene momento em que temos de acabar com a salva de metralhadoras que é o som emanado pelas linhas de escape.
As primeiras impressões traduzem-se numa simples palavra: Puro. Em que sentido? Direcção, caixa e embraiagem apresentam um tacto mecânico que tanto faz falta em automóveis mais modernos. Embora o primeiro arranque tenha sido calmo, receoso, até, uma vez que fica a impressão de que convém sermos cautelosos até nas manobras mais simples, não demorou até esboçarmos um largo sorriso, que tão cedo não largaria os nossos rostos.
Ainda no seio de uma Lisboa que acabou de acordar, reparamos que a reposta do motor é muito boa, tendo bastante força mesmo nos regimes inferiores. Contudo, apercebemo-nos que a travagem talvez esteja um pouco aquém, faltando-lhe alguma agressividade na hora de “morder” os discos. Feitio, pensámos nós, que já nem conseguíamos colocar defeitos no Morgan. É bem mais civilizado do que seria expectável na confusão do trânsito, mesmo tendo uma embraiagem e direcção tão pesadas, e a caixa, oriunda do Mazda MX-5, é bem escalonada e muito precisa, o que ajuda sobremaneira no pára-arranca citadino. No entanto, esta não é, de todo, a praia, o habitat natural do 3 Wheeler, até porque a ventoinha não é fã de sprints entre semáforos. Torna-se imperativo seguirmos para estradas mais... desocupadas.
Chegando à A5, reparamos que a subida até ao acesso para Monsanto é feita sem qualquer esforço, com uma resposta muito enérgica no que toca à aceleração. Que surpresa que está a ser este V2 da S&S, que mesmo sem uma potência particularmente expressiva, impele o conjunto para a frente com uma progressividade impressionante. Claro que o baixo peso, 525 quilos em vazio, dá uma importante ajuda no processo.
Encontramo-nos novamente no Monsanto, o trânsito matinal já ficou para trás e a estrada encontra-se praticamente deserta, pelo que estão reunidas as condições para conhecer melhor o 3 Wheeler. Os primeiros quilómetros são feitos a ritmo de passeio, queremos conhecer esta faceta do carro, e a verdade é que... é estranhamente calma, sobretudo quando temos um barulho ensurdecedor (mas encantador) oriundo das laterais do carro. No entanto, até em andamento pacato, este carro faz-nos sentir vivos, sendo perfeito para esquecer o stress do quotidiano, independentemente do estilo de condução que lhe aplicarmos. 
Chegou o momento de perceber o quanto este pequeno Morgan exige do seu condutor.
Começamos a aumentar o ritmo e a entender as reacções deste carro, que se revelam extraordinariamente fáceis de antever. Lembram-se de que lhe falta uma roda? Quase que nos esquecemos dessa característica. Existe uma tendência natural para fugir de frente, fruto dos pneus finos no eixo dianteiro, mas a traseira mantém-se bem colada à estrada, não é facilmente provocável, o que nos deixa surpresos. Diríamos que existe um certo “descontrolo controlável” no que toca às capacidades dinâmicas do 3 Wheeler, que se estranha nos minutos iniciais, mas que com o tempo mostra-se cada vez menos intimidante. Único, de facto, e ainda bem!
Paramos para deixar o Morgan repousar, e aproveitamos o momento para algumas fotos. Não demoramos muito, no entanto, uma vez que este carro é tão comunicativo em termos de feedback que bastam poucos minutos para sentir saudades de o conduzir. Estamos tão viciados que já ligámos o motor, até. Mais uma volta, mais uma subida no ritmo. Começamos a entender que o desequilíbrio provocado pela largura dos pneus dianteiros, torna-se bastante natural, bastante benéfico, até. Recorremos mais aos travões e... afinal não são insuficientes, as nossas pernas e os nossos pés é que não estão habituados a uma pureza de condução destas. Exigente, gostamos disso! A adrenalina a bordo continua a subir, pois claro.
Chega mais uma curva, o Morgan trava cada vez melhor, a entrada é feita já a prever alguma subviragem, curva seguinte, já só abrandamos, pé no acelerador à chegada do apex da curva, a traseira solta-se um pouco, sendo facilmente controlável. Este carro é incrivelmente físico, sendo necessário aumentar gradualmente a força nos braços e pés sempre que se sobe o ritmo. No entanto, a caixa mostra-se sempre solícita, e se há peça em que a precisão japonesa é bem-vinda, é esta. Damos por nós a pensar se seria isto que os pilotos da RAF sentiam ao pilotar os Supermarine Spitfire MKVIII, o que não nos surpreende dado que uma das opções de personalização do 3 Wheeler advém destes famosos aviões de guerra...
Que misto de sensações ao volante deste Morgan 3 Wheeler, todas elas positivas! Fall in love with driving again é o slogan actual da marca, e, após termos conduzido este carro, não poderiam de facto auto-resumir-se melhor que isto. Puro, simples, e único. Parabéns!
Está na hora de refrear os ânimos, e constatamos que temos muito mais que um carro de três rodas nas mãos. Nem sabemos se o poderemos considerar um carro, com medo de que isso seja um termo demasiado redutor, sobretudo quando à condução se juntam pormenores como os que iremos mencionar nas próximas linhas.
O padrão em diamante dos bancos, que nesta unidade são aquecidos, o alumínio escovado da manete dos piscas (que se situa à direita do volante, o que se torna confuso nos primeiros quilómetros), travão de mão, outra peça que necessita de habituação no manuseamento, e botões do tablier, cuja operação também é bastante evocativa do mundo da aeronáutica, tornam o 3 Wheeler num exercício de estilo sobre rodas. Por muito que o conceito original date de inícios do século XX, o facto de podermos adquirir em 2016 um carro novo com estas características faz-nos sentir que estamos ao volante de um projecto restomod, com forte atenção aos detalhes e uma qualidade de construção à prova de qualquer crítica. No entanto, fica a sensação de que, mesmo revestidos a pele de altíssima qualidade, os apoios de braço tornar-se-ão uma peça a substituir de tempos a tempos, uma vez que se torna difícil não raspar com as solas dos sapatos ao entrar e sair deste Morgan.
Fica desde já um conselho aos eventuais compradores de um brinquedo como este. Convém que o condutor utilize alguns acessórios para evitar dissabores decorrentes de uma condução a céu aberto, principalmente óculos de aviador, disponíveis no catálogo de acessórios da marca, assim como uma balaclava, até para evitar ficar com o rosto gelado. Os pequenos vidros, que a Morgan curiosamente apelida de “pára-moscas”, não conseguem travar a turbulência do vento acima dos 90 km/h, e não é difícil tornarmo-nos um alvo fácil de detritos que sejam levantados por outros veículos, principalmente em vias mais movimentadas. É ainda mais intimidante passar de 3 Wheeler ao lado de um veículo pesado do que fazê-lo num automóvel de características mais convencionais.
Para quem conhece o 3 Wheeler apenas por fotos, compreendemos que seja complicado entender como é que um automóvel destes pode ter um custo de aquisição que ultrapassa os 50.000€. No entanto, ao lado de um, ou melhor ainda, sentado no espartano interior, caso possível, é fácil perceber, e mais que isso, justificar tal valor. A atenção ao detalhe impressiona, a montagem é competentíssima, e as sensações ao volante são absolutamente memoráveis, tanto que, quando saímos do Morgan em direcção aos nossos carros, tudo passa a ser demasiado clínico, confortável em excesso e... com um feeling industrial, de produção em massa.
O nosso muito obrigado à Morgan por provar que ainda é possível conduzir um carro novo sem filtros, e um agradecimento ainda maior à sucursal portuguesa por nos ter permitido passar uma manhã que não foi parca em estilo e diversão ao volante. Em breve voltaremos às vossas instalações.
Ficha Técnica
Motor: S&S V-Twin, 1983cc
Caixa de velocidades: Mazda, de 5 relações
Potência: 82 cavalos às 5250 RPM
Binário: 140 Nm, disponíveis às 3250 RPM
0-100 Km/h: 6 segundos
Vel. Máx: 185 km/h
Peso: 525 kgs
Consumos anunciados: Urbano 13,4l/100 km Extra-urbano 6,3l/100 km Combinado 9,3l/100 km
Emissões: 215 g/km
Dimensões: Comprimento 3225 mm Largura 1720 mm Altura 1000mm
Capacidade do depósito de combustível: 42 litros
Preço: 52.319,60€ (unidade ensaiada)

You Might Also Like

0 comentários

Flickr Images