Notte e Giorno

______________________________________________________ Alfite Doença do foro psicológico que faz com que membros de projectos editor...

______________________________________________________

Alfite

Doença do foro psicológico que faz com que membros de projectos editoriais ligados aos automóveis desenvolvam uma obsessão por produzir artigos focados em modelos da conhecida marca italiana Alfa Romeo. Apesar da extensa pesquisa por parte da comunidade científica, ainda não se descobriu qualquer cura para esta patologia.
______________________________________________________
Não é a primeira vez que fazemos uma sessão em duas partes, é certo. Mas é a primeira vez que a preparação de um artigo da rubrica Coffee Break se faz com duas pessoas que partilham uma paixão pelo mesmo automóvel. E que automóvel. Estamos na presença de um encantador Alfa Romeo Spider 2000 Veloce de 1972, pertença da mesma família desde 1995 e conduzido regularmente por dois irmãos, o Zé e a Inês, que por crescerem entre Alfas, não tiveram grande alternativa senão desenvolver uma obsessão muito saudável pela marca de Arese.
Decidimos chamar Notte e Giorno a este artigo por três razões. Em primeiro lugar, porque todas as sessões que fizemos com veículos da Alfa Romeo até ao momento (esta é a terceira) têm títulos em Italiano, na tentativa de prestar uma homenagem à classe inegável da maioria das criações da marca. Além disso, esta sessão efectivamente decorreu tanto em período nocturno como em diurno. Por fim, mas não menos importante, apesar das pessoas que esta sessão nos deu a conhecer partilharem um laço familiar, ambos não poderiam ter uma personalidade mais díspar, com a atitude Urban Outlaw do Zé a contrastar com a serenidade e coolness da Inês. Feitios muito distintos para o mesmo automóvel, que se traduzem em dois encontros com o Spider com estados de espírito muito próprios.
O primeiro encontro com o Spider tem lugar a uma quarta-feira, em Belém. O ponto de encontro é o jardim em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, por norma um lugar calmo, de passeio com a família ou com a cara-metade. Minutos depois da nossa chegada, deixa de o ser. Ouvimos um barulho facilmente associável a um automóvel antigo, que se torna progressivamente mais perceptível. A certa altura, o barulho faz-se acompanhar por um vulto que entra na estrada onde nos encontramos em contra-brecagem. Seria apenas o primeiro de muitos vislumbres tail happy que conheceríamos durante esta noite. Feitas as apresentações, atravessamos a estrada que separa o ponto encontro do primeiro spot fotográfico de uma noite que se afigura muito promissora.
A escolha dos Jerónimos para iniciar esta sessão muito especial revela-se uma boa aposta desde cedo. Um automóvel com estas características, e acima de tudo, já a caminho dos 45 anos de idade, precisa de um local que faça justiça à intemporalidade das linhas que só um Alfa Romeo pode ostentar. As fotos estão a sair a bom ritmo, muito embora estejamos com fortes dificuldades em compensar a fraca iluminação ao redor do Mosteiro. Até o Zé, a dada altura, tem que interromper o relato da história que tem com o Spider para ligar a lanterna do telemóvel, na tentativa de que a máquina consiga focar a obra de arte em quatro rodas que tem à frente. Entre tentativas concretizadas e outras em que a sorte não esteve do nosso lado, vamos conseguindo levar a água ao nosso moinho. Mesmo com o avançar da hora, vão passando alguns turistas e corredores que não ficam indiferentes à presença deste descapotável vintage.
______________________________________________________

Posso tirar uma fotografia?

______________________________________________________
… foi uma das frases que mais ouvimos nesta noite, tanto em Português como em Inglês. Estando nós a fazer isso mesmo, qual é a margem para negar tal pedido? O Zé vai respondendo positivamente a estas solicitações. Uma foto pode atravessar o mundo. Quem sabe se não estará alguém neste preciso momento a contemplar o instantâneo que tirou naquela noite, num qualquer canto recôndito do mundo... Certamente que existem fortes razões para tal. É impossível não esboçar um sorriso junto deste carro, mesmo que não se saiba do que trata. O estilo é uma linguagem universal, e estas linhas são fluentes no dialecto Pininfarina.
Estamos contentes com as fotos tiradas até ao momento, mas precisamos de mudar de ares para acrescentar diversidade a esta sessão, pelo que fazemos um pequeno sprint até às imediações de um conhecido espaço de diversão nocturna à beira-rio, com mais alguns slides pelo meio. Um local de aspecto industrial, com paredes repletas de graffiti, não é a nossa definição de espaço ideal para fotografar um Alfa Romeo dos anos 70. No entanto, mais uma vez, o Coda Tronca surpreende-nos, ao encaixar com o ambiente que o rodeia de uma forma que não esperávamos. Talvez seja a presença do Zé a trazer algum sentido a esta estranha simbiose. Não é todos os dias que conhecemos alguém que não se importa minimamente de guiar um clássico em ritmo tão inspirado. Allegro ma non troppo? Não nos parece.
Mais uma vez, vemo-nos a braços com problemas decorrentes da falta de luminosidade, aos quais se juntam as pessoas que caminham em direcção à discoteca, que não raras vezes passam em frente à máquina sem se aperceberem que estão a ser tiradas fotografias a um carro, assim como o frio, que já se vai fazendo sentir nos ossos. Chegamos ao ponto de ter que ligar os máximos do Camera Car para conseguir obter a luz que a noite vai roubando. Mas a insistência colhe os seus frutos. O Spider merece que nos apliquemos, indubitavelmente. Embora os takes falhados se acumulem, aqueles que sabemos desde logo que irão entrar no artigo também. Até ao momento, o Zé está satisfeito, e é isso que importa. Lembram-se de termos dito mais acima de que era impossível não sorrir ao lado de um quarentão como este? O sorriso mantém-se, embora acompanhado com o clássico som de dentes a bater.
Após a surpresa que foi esta zona, uma dica do Zé que resultou em pleno, voltamos aos Jerónimos para algumas fotos que ficaram em falta na primeira vez que aqui estivemos. Fica a sensação de que há sempre ângulos e pormenores novos a explorar neste pequeno mas distinto embaixador Italiano, algo recorrente em automóveis desta nacionalidade. Andar à volta do Spider mostra sempre algo que estava em falta até ao momento. A noite já esteve mais longe de acabar, mas não por nossa vontade. Já fotografámos carros antigos nas nossas sessões, mas nunca um clássico no sentido mais lato do termo. A sensação, tal como antevíamos, é reconfortante. Aquilo que se perde em tecnologia face a um carro actual, ganha-se em personalidade, em presença. Todos gostamos de uma cara bonita, certo? Não há réstia de botox aqui, e ainda bem.
A noite chega ao fim, revelando-se madrasta para fotos de detalhe. Impõe-se um novo encontro, para que corrijamos esta situação. Mas não será o Zé o nosso companheiro desta vez.
Uma agenda apertadíssima e a preparação de vários artigos inadiáveis resulta em dificuldades na marcação de uma nova data para encerrar esta sessão. Passa mais de 1 mês entre a noite na companhia do Zé e o fim de tarde com a Inês. É Terça-feira, e Monsanto foi o spot escolhido para as fotos diurnas. O hiato entre os dois meetings com o Coda Tronca tem um lado positivo, uma vez que o tempo primaveril permitiu-nos encontrar o pulmão de Lisboa no seu auge: com vegetação verdejante e sol a rodos. Está tudo reunido para obtermos aqui o que ficou em falta na parte nocturna.
Apresentamo-nos à Inês, que já nos aguardava no ponto de encontro marcado. O Spider revela-se ainda mais esbelto de dia, o que começa desde logo a inspirar-nos para as fotos que se seguirão. Junte-se a isto a simpatia desta Signorina Alfisti, e confirma-se. As próximas horas serão muito bem passadas.
Uma vez que, à semelhança do que fizemos no ensaio ao Morgan 3-Wheeler, demos uma pequena volta de reconhecimento nesta autêntica floresta dentro da cidade, propusemos à Inês alguns recantos, para aproveitar mais eficazmente as poucas horas de sol que ainda restavam. As nossas sugestões foram prontamente aceites, pelo que nos resta apenas dirigirmo-nos em direcção aos referidos locais, que se revelam boas apostas. O Spider surpreende fora do seu elemento natural, mas, da experiência que tivemos com este Alfa, locais que remetam para o Countryside são o habitat ideal para fotografar um carro como este.
Ah, que bem sabe voltar a “premir o gatilho” com este Alfa na objectiva! Estamos cada vez mais convencidos de que estamos perante uma autêntica Sophia Loren do mundo automóvel. Lembram-se quando referimos o ritmo a que o Zé conduzia este carro? A Inês não é aventureira a esse ponto, mas também assegura de que o Spider está bem longe de poder ser associado a uma Garage Queen. Passear o cão? Idas às compras? Um desvio pela praia para apanhar umas ondas? Dá para fazê-lo neste carro como em qualquer outro! É isto que mais admiramos nas pessoas que este descapotável nos deu a conhecer, que provam que os clássicos existem para ser disfrutados. Sendo aqui muito sinceros, estes irmãos rodam mais com um carro de 1972 que um de nós com um carro de 2002. Roça o irónico, não é?
Como referido mais acima, decidimos fazer esta sessão em duas partes para, numa primeira fase, tirarmos fotos mais gerais, aproveitando as fotos diurnas para nos focarmos nos detalhes, o que se revelou quase impraticável na noite que passámos com o Zé. Estando o problema da luminosidade ultrapassado, ainda há de facto muito que fotografar. O lindíssimo volante Nardi, a muito bem posicionada manete da caixa de velocidades, os vários cromados no tablier e portas, sem esquecer a insígnia da Pininfarina logo abaixo dos manómetros auxiliares, que se faz acompanhar do logo da Alfa Romeo, são os pormenores que mais nos chamam a atenção ao observar o interior. E o estilo acompanha a função. Na curta experiência que tivemos à “pendura”, reparámos que a Inês dispõe de uma posição de condução quase perfeita. Embora baixa, devido às características do carro, não fica a sensação de que o carro “cresce” quando estamos sentados. E não é apenas a manete da caixa que está mesmo ali ao lado. Todos os comandos são facilmente acessíveis, e apreciámos a inexistência de quaisquer factores de distracção. Rádio? Num descapotável italiano? Para quê? A Inês refere que não sente qualquer necessidade de ouvir música ao volante do Spider, e quem somos nós para discordar? De notar que os bancos apresentam um nível de conforto como já não conseguimos encontrar em carros mais recentes. Nota-se que estamos sentados em cima de molas e muita esponja. Fazer muitos quilómetros de seguida não deverá ser minimamente massacrante para as costas, o que conjugado com o enorme espaço para as pernas, faz-nos pensar que, quando se procura viajar com qualidade, é preferível olhar para trás e não para o presente. E, infelizmente, já não se desenham interiores como o que estamos a contemplar.
Já falámos do muito apelativo exterior, mas não dos pequenos detalhes que tornam o conjunto em algo que nos faria comprar um bom sofá para... o colocar na garagem, paralelo ao Spider. Nos 21 anos de convivência com a Inês e o Zé, o Coda Tronca já conheceu vários sets de jantes, sempre cuidadosamente escolhidos. No entanto, o conjunto actual é constituído por umas elegantes Cromodora de 14 polegadas, em magnésio. Portanto, jantes fechadas, period correct, e feitas de um material tão leve que não encaixa nos regulamentos de muitas competições automóveis, como o WRC? Excelente escolha! A dada altura, a Inês confessa-nos que esta é já a terceira cor que o Spider conhece desde novo, tendo “nascido” branco, pintado de Rosso Alfa a dada altura, chegando à tonalidade cinza prata que hoje apresenta durante um processo de restauro. No entanto, há planos para devolver ao carro o branco original. Talvez quando chegar aos 50 anos, refere-nos a Inês. Parece-nos uma excelente prenda, tens o nosso aval! Como todo o  bom Alfa, encontramos a matrícula dianteira no canto inferior esquerdo do pára-choques, e elogiamos a permanência das “matrículas pretas” neste carro, um pormenor que perdurou até 1991 e que confere sempre um encanto adicional a qualquer veículo antigo. Olhando para a rectilínea traseira, destacamos os dois autocolantes ao centro, um colocado na matrícula, e bonito todos os dias, e um “I” em fundo branco imediatamente ao lado desta, que denuncia as origens Italianas deste carro. O I de Itália também funciona como I de Inês, dizem-nos. Já temos uma referência futura caso encontremos este Spider a rodar por aí no futuro. Terás a nossa buzinadela, claro.
Embora estejamos num local muito mais recôndito, há sempre um ou outro praticante de jogging que se cruza connosco. Sabes que estás na presença de um carro incomum quando a passada destes corredores é imediatamente interrompida para olhar para o Spider... com calma. Subitamente, melhorar as marcas de dias anteriores deixa de ser prioritário, e compreendemos perfeitamente que assim o seja. O mundo precisa de mais Alfas, e achamos que a marca está a perder uma enorme oportunidade em ainda não ter denominado qualquer um dos seus modelos de Gioia. Em Português, esta palavra significa alegria. E não raras vezes, é isto que aqueles rapazes trazem ao mundo automóvel.
Só podemos estar imensamente agradecidos à Inês e ao Zé. Por nos mostrarem que a paixão por uma marca não é uma questão etária. Por manterem um clássico no activo e usá-lo regularmente sem reservas. E por nos terem escolhido para fotografar este carro. Uma notte e um giorno memoráveis, duas pessoas muito distintas mas igualmente cativantes. Temos quase a certeza de que nos escapou fotografar um reservatório de classe no cofre do motor. E, se tal se verificou, resta a consolação de que o mesmo está sempre cheio. Inês, Zé, esperamos que o trabalho que vos demos encontre aqui razão de ser. E, por favor, voltem à nossa companhia um dia destes. Por vocês, e pelo que conduzem.
Saudações Alfistas.

You Might Also Like

0 comentários

Flickr Images